E o Novo Marco Regulatório da Mineração?

Em junho de 2013, a Presidente Dilma Roussef enviou ao Congresso Nacional projeto para o novo marco regulatório da mineração. Trata-se do Projeto de Lei n° 5.807, de 2013 – o qual será denominado de o novo marco regulatório da mineração neste texto. Se aprovado, substituirá o atual Código de Mineração, o Decreto-Lei n° 227, de 28 de fevereiro de 1967.

Nas palavras da Presidente da República1, com o novo marco regulatório da mineração objetiva-se:

criar um marco legal favorável aos negócios, aos investimentos produtivos fortalecendo um novo ciclo de desenvolvimento de nosso país, mas tudo isso com ganhos para a sociedade, para os trabalhadores e para o meio ambiente.

O presente texto busca analisar se, de fato, haverá estímulo aos investimentos na mineração. Mantida a redação original do novo marco regulatório da mineração, ao que tudo indica, o efeito será o inverso. O novo marco regulatório da mineração afugentará os potenciais interessados, seja pela redução da remuneração líquida das empresas, seja pelo desestímulo à pesquisa mineral.

O novo Marco Regulatório da Mineração e a CEFEM

No que se refere à rentabilidade líquida das empresas mineradoras, fica evidente no texto a intenção do Governo em aumentar a participação governamental nas receitas, em detrimento do lucro privado. Busca-se, em especial, aumentar a receita de estados e municípios advindas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A base de cálculo da CFEM deixará de ser o faturamento líquido e passará a ser a receita bruta da venda, deduzidos apenas os tributos efetivamente pagos incidentes sobre a sua comercialização, e a alíquota máxima subirá de 3% para 4%.

O efeito das mudanças da base de cálculo e da alíquota da CFEM será o fechamento daqueles empreendimentos minerais cujos custos já estão próximos às cotações dos minérios, com a consequente perda de empregos, de geração de riqueza e de arrecadação.

Diga-se de passagem, a arrecadação da CFEM, mesmo com a legislação vigente, é crescente, tendo saído de R$ 140 milhões, em 2003, para R$ 2,4 bilhões, em 2013, um aumento de 1.600%.

Com as regras propostas no novo marco regulatório da mineração, o próprio Governo estima que a arrecadação da CFEM dobrará2. A esse aumento da CFEM devem ser somadas as taxas incidentes sobre a mineração, criadas ou aumentadas pelo o novo marco regulatório da mineração. Trata-se, portanto, de tentar capturar para o orçamento público parte dos ganhos das empresas, que cresceram substancialmente nos últimos anos, em função do apetite chinês por minérios.

O novo Marco Regulatório da Mineração e o “Direito de Prioridade”

Já a pesquisa de novas áreas passíveis de exploração ficará prejudicada pela mudança radical proposta para o sistema de outorga de títulos minerários. O que se propõe é a extinção do atual sistema de “ direito de prioridade”.

Pelo atual Código de Mineração, qualquer interessado pode pleitear uma “autorização de pesquisa” em uma determinada área3. A autorização de pesquisa é atribuída ao primeiro interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, isto é, a área que não seja objeto de nenhum outro requerimento de data anterior.

Somente o titular da autorização de pesquisa pode requerer o direito de explorar minerais naquela área, ou seja, a concessão de lavra4. Resumidamente, o direito de prioridade significa que quem requer primeiro, atendidos certos requisitos burocráticos, ganha o título minerário.

Trata-se, portanto, de um regime de “autorização e concessão”. O novo marco regulatório da mineração substitui tal regime pelo sistema de licitação, para as áreas selecionadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Mineral (CNPM), órgão a ser criado, e pela chamada pública, quando o particular formalizar interesse nas áreas restantes.

A concessão precedida de licitação ou chamada pública significa o fim do direito de prioridade, adotado pela legislação minerária da maioria dos países mineradores, como Austrália, Canadá, México, Chile, Peru, entre outros; devido ao incentivo que representa ao empreendedorismo no setor mineral.

Como a prospecção mineral é uma atividade de baixo índice de sucesso – da ordem de 0,1%, ou seja, de cada 1.000 trabalhos de prospecção mineral, somente 1 resulta em uma descoberta comercial – só a expectativa de encontrar uma jazida de grande porte, e lucrar com sua produção, motiva as empresas a enfrentar empreitada de tão alto risco.

Uma empresa, quando requer a autorização de pesquisa para determinada área, o faz porque algum tipo de análise preliminar indicou a possibilidade da descoberta de um depósito mineral. É uma informação estratégica da empresa, fruto da expertise de seus técnicos, efetivamente protegida pelo direito de prioridade. A empresa requer a autorização de pesquisa porque sabe que, se encontrar algo valioso, terá a prioridade na lavra.

Com a chamada pública, introduzida pelo novo marco regulatório da mineração, a empresa não terá como resguardar das concorrentes o seu interesse por determinada área e correrá o risco de perdê-la no processo seletivo que pode se seguir. Ou seja, a empresa gasta tempo e dinheiro estudando uma determinada área e, ao constatar que a área é promissora, terá que tornar público seu interesse e disputar o direito de exploração em igualdades de condições com outras que nada investiram na pesquisa da área. Os demais concorrentes pegarão uma carona no tempo e dinheiro gastos pela empresa que se dedicou a estudar a área. Obviamente, nenhuma empresa terá incentivos para fazer tal estudo, preferindo aguardar que outras o façam.

É evidente que o fim da prioridade é um poderoso desestímulo à iniciativa de buscar áreas minerais promissoras. E o setor mineral perecerá sem a descoberta de novas jazidas, pois os recursos minerais são esgotáveis e, assim, novas reservas têm que ser descobertas para repor as reservas exauridas.

Os sistemas concorrenciais para acesso aos títulos minerários só se justificam quando há disponibilidade de informações geológicas detalhadas, de forma a permitir aos concorrentes fazer propostas bem fundadas nos certames. Quando essas informações geológicas não existem, o risco pode ser alto demais para os empreendedores fazerem lances, e eles se ausentam da licitação.

Extinto o regime de prioridade, haverá o refluxo das empresas privadas de prospecção e pesquisa mineral. Só restará o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), empresa pública, para correr o risco de buscar novas áreas promissoras para a mineração. Conseguirá a CPRM realizar sozinha essa missão em todo o imenso território brasileiro? E a que custo? Os recursos privados serão substituídos pelos recursos do Estado em uma atividade de alto risco. É, no mínimo, discutível que o Estado, enfrentando dificuldades para prestar à população os serviços básicos de saúde, educação e segurança, entre outros, afaste o investimento privado e assuma mais um encargo.

Quando se verifica os excelentes resultados econômicos da mineração brasileira ao longo do século XXI – entre outros, o crescimento de mais de 500% e o saldo da balança comercial, que superou os 125 bilhões de dólares entre 2010 e 2013 – causa estranheza o empenho governamental para realizar mudanças tão radicais em um setor que, sem sombra de dúvida, apresenta desempenho satisfatório.

Decerto, a percepção de que o Estado não estava sendo adequadamente beneficiado pelo crescimento acelerado da renda mineral na década de 2000 foi um motivador importante para a alteração da lei minerária, ao menos, no que se refere à CFEM. Diferentemente de outros setores econômicos, a mineração transformou-se em alvo da atenção do Governo não por seus problemas, mas por seu sucesso.

Mas essa não foi a única razão. Percebe-se também, na formulação do novo marco regulatório da mineração, a manifestação da linha de pensamento, prevalecente no Governo, de que o Estado deve intervir profundamente na atividade econômica. Isto é, o novo marco regulatório da mineração é a versão para o setor mineral das políticas econômicas intervencionistas, e malsucedidas, adotadas pelo Governo Federal nos últimos anos.

Como defesa do novo marco regulatório da mineração, as autoridades governamentais preferem atacar o atual Código de Mineração, que, alegadamente, seria ultrapassado e daria margem a práticas especulativas. O desempenho econômico da mineração, por si só, desmente as críticas de anacronismo lançadas contra o atual Código, pois essa legislação minerária foi adequada o bastante para permitir que o Brasil, apesar dos problemas de infraestrutura bem conhecidos, se beneficiasse de um ciclo internacional positivo para a mineração.

Quanto à especulação, sempre mencionada, mas nunca comprovada de forma objetiva, ela não deriva da sistemática de acesso ao título minerário, mas da forma de retenção da área concedida, sem o devido cumprimento das regras estabelecidas no atual Código de Mineração quanto aos prazos e a execução de trabalhos de pesquisa mineral. Ressalte-se, porém, que o atual Código contém os instrumentos de coerção e sanção, inclusive a caducidade do título minerário, aplicáveis aos titulares que descumprirem as regras de forma reiterada.

Ou seja, o problema real não é o atual Código, mas a falta de fiscalização, que é realizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), sem, contudo, alcançar a intensidade desejável. Diga-se em defesa do DNPM que faltam recursos para a Autarquia cumprir suas atribuições, vítima que é de repetidos contingenciamentos de seu orçamento. Ora, se, de fato, o Governo considera que a especulação com títulos minerários é um problema sério, por que não foram repassados ao DNPM os recursos necessários para a fiscalização?

Além de aumentar a renda governamental decorrente da exploração mineral, a intenção do Governo com o novo marco regulatório da mineração parece ser também a de controlar o ritmo da exploração mineral.

Pela legislação atual, o requerente que atender a todos os requisitos constantes da lei e dos regulamentos, que não são poucos, tem que receber o título requerido. O DNPM e o MME não podem negar de forma discricionária, com base na conveniência e na oportunidade, os requerimentos em conformidade com a legislação. A forma encontrada para contornar essa vinculação foi a instituição da licitação. A frequência dos certames e as áreas oferecidas serão definidas pelas autoridades públicas.

Não estão claros os propósitos desse controle, mas é prudente temer os resultados, mormente considerando as características particulares do setor mineral. Considerando que a margem de acerto da prospecção mineral é de 0,1% e que usualmente o tempo decorrido da descoberta do recurso mineral até a colocação da mina em produção é de dez anos ou mais, como é possível estabelecer o ritmo adequado da mineração por meio do controle do acesso às áreas para pesquisa mineral? Seria como dirigir por uma estrada sinuosa com um carro no qual entre o girar do volante e a movimentação das rodas fossem percorridos quilômetros. Ou seja, o desastre seria inevitável.

Controlar talvez seja o primeiro passo de uma tentativa de planificação. Representantes do Governo já especulam se o aumento da produção de minérios para atender a China não ameaçaria o futuro fornecimento interno do Brasil. Logo, seria preciso estabelecer cotas de produção.

Se todos os dados necessários estivessem disponíveis, já seria bastante complexo estabelecer o ritmo ótimo de produção mineral. Imagine-se, então, estabelecer o ritmo ótimo de produção sem conhecer a demanda futura do Brasil e do Mundo, as cotações dos minérios, a descoberta de novas jazidas no Brasil e no Mundo, as novas tecnologias que aumentam ou diminuem a demanda por determinados bens minerais, etc. As chances de acerto seriam extremamente diminutas. A única certeza seria o desinteresse das empresas mineradoras pelo Brasil ante a possibilidade do Governo limitar a produção.

Em que pesem as melhores intenções de técnicos e ideólogos, o Governo, com o novo marco regulatório da mineração, opta por uma legislação minerária que percorre a avenida da mineração internacional na contramão. Não é sem razão que a avaliação da competitividade do negócio de mineração no Brasil vem caindo acentuadamente desde que foram sendo delineadas as mudanças do Código de Mineração. De acordo com o Fraser Institute, organização canadense que desenvolveu índice específico para avaliar essa competitividade, a posição do Brasil, em 2013, é a 65° entre 112 países e entes subnacionais analisados5. Em 2010, o Brasil estava em 40° entre 72 jurisdições analisadas. O resultado brasileiro de 2013 é muito ruim, mesmo quando comparado com outros países da América Latina que são importantes mineradores, como, Chile, em 30°, México, em 48°, e Peru, em 56°. O nosso destino não pode ser a queda do índice a ponto de alcançar a Bolívia, em 99°, ou a Venezuela, em 111°.

Infelizmente, esse tipo de posicionamento alheio em relação ao que se passa no Mundo não é inédito em nosso País. Os debates travados em torno do o novo marco regulatório da mineração lembram aqueles da Constituinte de 1988, quando, ao final, prevaleceu a tese nacionalista, que introduziu na CF/1988 a vedação à participação de empresas de capital estrangeiro na mineração. O resultado foi a progressiva paralisação da pesquisa mineral no Brasil, só revertida pela Emenda Constitucional n° 6, de 1995, que retirou essa vedação e criou as condições que permitiram a mineração brasileira tirar bom proveito do ciclo de altas cotações dascommodities minerais nos anos 2000.

Aliás, os melhores anos de tal ciclo parecem superados, e as consequências já se fazem sentir. De acordo com relatório do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), os investimentos em mineração no Brasil devem recuar para US$ 53,6 bilhões no período 2014-2018, contra cerca de US$ 75 bilhões previstos anteriormente para o período 2012-20166.

Resumindo tudo…

Em suma, o novo marco regulatório da mineração é uma clara manifestação de política econômica intervencionista e contrária ao empreendedorismo, associada ao furor arrecadatório que acomete estados e municípios, beneficiários últimos da receita da CFEM. O novo marco regulatório da mineração é inoportuno e não vai cumprir seu objetivo de atrair novos investimentos, pois se baseia em uma lógica que repudia o lucro. Parece que os formuladores do o novo marco regulatório da mineração gostam de investimentos, mas não gostam dos investidores.

Cabe, então, ao Congresso Nacional introduzir as modificações no novo marco regulatório da mineração para harmonizá-lo com as necessidades de um setor mineral de grande porte, dinâmico, competitivo e inserido nas cadeias produtivas internacionais, como é o caso do setor mineral brasileiro.

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1 Presidência da República, 2013. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-cerimonia-lancamento-do-marco-regulatorio-da-mineracao-brasilia-df >. Acesso em: 04/07/2013.

2 Presidência da República, ibidem. “A CFEM a partir de agora incidirá sobre a receita bruta das empresas mineradoras tendo alíquotas de até 4%. Isso dará um incremento importante para o orçamento dos estados e municípios que convivem com a atividade mineraria. A mudança na regra de cálculo permitirá praticamente dobrar a arrecadação proveniente dessa atividade.”

3 A autorização de pesquisa mineral depende de expedição de alvará de autorização do Diretor-Geral do DNPM.  A pesquisa mineral tem como objetivo de executar os trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico.

4 A concessão de lavra depende de portaria de concessão do Ministro de Estado de Minas e Energia. A lavra tem como objetivo o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver até o beneficiamento das mesmas.

5 Fraser Institute. Survey of Mining Companies 2013. Disponível em:https://www.fraserinstitute.org/uploadedFiles/fraser-ca/Content/research-news/research/publications/mining-survey-2013.pdf. Acesso em 30/03/2014.

6 O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,apetite-de-mineradoras-para-investir-no-brasil-cai,1139451,0.htm. Acesso em: 31/03/2014.

Texto publicado no site Brasil, Economia e Governo com o título Qual a finalidade do Projeto de Lei de Novo Código de Mineração?

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Uma resposta para “E o Novo Marco Regulatório da Mineração?”

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